Marcus - "Realidade"

terça-feira, 11 de setembro de 2012
Admito que depois de um tempo, eu comecei a ficar preocupado. Andara horas e mais horas pelas ruas da cidade tropeçando nos corpos jogados pra todo o lado e esperando que mais algo interessante acontecesse, e no final não fiquei contente com os resultados negativos. Esperava que - seilá - o céu se abrisse e viessem os quatro cavaleiros do apocalipse cavalgando e que soassem trombetas por todo lado.

A verdade é que eu comecei a ponderar a realidade. Eu tenho uma dessas mentes meio rápidas que diante de qualquer situação, seja boa ou má, começa a fazer análises, ver lados positivos e negativos e também a considerar possibilidades e calcular consequências. Eu odiava isso, pois fazia eu sempre me sentir cansado, mesmo que mentalmente.

Diante desses cálculos comecei a pensar sobre a minha família e se eles também tinham morrido. Até me senti mal por demorar horas para pensar nisso. Peguei o meu celular e liguei para o telefone da minha mãe, pensando se as operadoras de telefonia também tinham tropeçado e morrido subitamente.

Para a minha surpresa, não. E quase joguei o celular pra longe de susto.

- Alô? - Disse ela, com a voz rouca por ter fumado durante toda a vida.
- Alô, mãe? - Disse, e logo percebi o quão idiota é você ligar para a sua mãe, ouvir sua mãe e perguntar se ela é a sua mãe.
- Alô... Marcus?

- Oi mãe, sou eu... Você não vai acreditar no que aconteceu. Eu estava...
- Alô? - Me interrompeu, e aí sim eu fiquei preocupado denovo. Até onde eu lembrava, ela não era surda e nem burra.
- Mãe, você está me ouvindo?
- Alô? Marcus? Eu não estou ouvindo nada, está um chiad...





E somente seguiu o “tú-tú-tú” incessante.

Tentei novamente e o telefone nem tocava mais. Fiquei minutos sentado na beira da calçada, ao lado de uma bicicleta acorrentada a um poste que nunca mais veria o seu dono, olhando para a tela do celular desligado e pensando no que diabos estava acontecendo fora dali. Será que o mesmo tinha acontecido onde a minha mãe vivia (a algumas horas dali) ou se a comunicação foi cortada somente onde eu estava?

Isso tudo sem parar para pensar em uma coisa irrelevante nisso tudo: Por que diabos eu estava vivo?

Depois de pensar e repensar, cheguei a conclusão final de que eu estava com fome. E também que não estava gostando disso. Dentro de algum tempo eu ia me tocar que as comidas por aí iam inevitavelmente estragar - e o pior, o mesmo aconteceriam com os milhares de corpos jogados na cidade - e que eu teria que pensar no que fazer pra sobreviver, mas por hora mandei eu mesmo me danar e entrei num supermercado para pegar um salgadinho e uma coca-cola, enquanto haviam geladas.

E depois eu pensaria denovo nas trombetas.

Yu - "Espadas"

sexta-feira, 13 de maio de 2011
Já estamos à mais de dois dias nessas ruínas sufocantes. Precisávamos treinar um pouco nossas habilidades e caçar algumas recompensas que os mercenários evitam por ter que adentrar aqui. Inúmeros labirintos e criaturas que ficam mais fortes a cada nível que passamos.

- Esse lugar já está me entediando – Diz Yu.
- A mim também. Mas veja bem, assim eu posso melhorar minhas habilidades com o arco e você pode melhorar a sua magia.
- Você fala isso porque não sabe usar magia. Isso cansa pra diabo.
- Somos jovens, parceira! E ainda temos poções – Respondi, referindo-me às poções que trazem de volta as forças mágicas, que são um mistério para mim.
- Mas não temos mais vinho. Não consigo tomar essas poções sem misturar, são horríveis.
- Isso um dia vai te matar – Respondo, com ar de reprovação.

Ouvimos barulhos à nossa volta e nos deparamos com os corpos apodrecidos que havíamos visto minutos atrás. Só que agora estão de pé, andando com dificuldades e sem vida, movidos por algo frio. Esperaram nós chegarmos num lugar onde eles estivessem mais numerosos para atacar.

- Que ótimo, mais zumbis. Odeio desperdiçar minha magia neles – Diz Yu.

Ela pega seu cajado nas costas e o segura com uma mão. Com a outra, estende a palma em volta da grande pedra mágica que fica na sua ponta, sem encostá-la, que vagarosamente se ilumina.

- Você tem energia suficiente? – Pergunto, ao largar nosso saco de mantimentos no chão e a pegar meu arco nas costas e logo depois uma flecha.
- Não sei, enquanto isso me cubra.

Aceno com a cabeça e olho na nossa volta. Eles se aproximam em grupos de três ou quatro, por cada uma das seis passagens que dão acesso ao nosso recinto.

Lanço a primeira flecha no zumbi que está mais perto, buscando acertar sua cabeça ou seu peito. Não tenho muita habilidade ainda com arcos mas consigo uma flechada certeira no crânio da criatura, que cai sem “vida” no chão.

- Boa! Agora acerte mais trinta dessas que eu vou dormir aqui um pouco enquanto isso – Diz Yu, sarcasticamente.

Resolvo não a responder, e sim me concentrar nos zumbis. É fato que são numerosos e que Yu talvez não tenha energia à tempo para me ajudar a acabar com eles. Eu conseguiria sem problemas matar a todos se não tivesse que protegê-la também, pois está vulnerável enquanto tenta se concentrar.

Vou lançando flecha a flecha, sempre buscando acertar a criatura mais próxima.

Vejo que duas se aproximam de nossas costas.

- Yu, abaixa! – Digo, e lanço duas flechas seguidas e certeiras nas duas cabeças.

Ela é teimosa pra dizer “obrigada”, portanto só pisca pra mim com o olho direito num sorriso maldoso.

Depois de mais algumas flechas vejo que as criaturas vão diminuindo, mas estão mais próximas. Busco flechas nas minhas costas e vejo que estão acabando. Yu vê e faz um sinal de reprovação.

- Você deveria ter ficado com aquela lança, estava ficando bom com ela. Não entendo por que você sempre troca de arma quando está começando a dominar alguma – Diz Yu.
- Gosto da ideia de dominar várias armas. Isso me dá bastante vantagem, já que não posso usar magia.

Busco mais flechas e vejo que só restam três. E há ainda uns seis zumbis.

- Lou, cuidado! Ali em cima!

Olho acima e vejo um zumbi que estava em um piso superior, que encontrou espaço num buraco para o nosso para nos surpreender. Ele salta em minha direção, não me dando tempo para buscar uma flecha. Me derruba e segura com uma mão no meu cabelo e com a outra tenta cravar suas unhas afiadas no meu pescoço. Consigo segurar o seu braço podre mas tenho dificuldades para me livrar dele.

- Chega, não tenho tempo pra isso – Diz Yu.

Ela larga seu cajado e corre em minha direção, desferindo um forte chute no pescoço do zumbi, com a sua bota pesada. A criatura cai sem vida ao chão.

- Obrigado. Achei que você tinha dormido mesmo – Digo, ao pegar na sua mão para me apoiar e levantar.
- Você que não deu conta dele – Responde Yu.

Restam seis zumbis.

- Tenho três flechas. Você dá conta daqueles três? – Pergunto.
- Dou conta dos seis, mas você ficaria bravo – Diz, ao rir maldosamente.

Ficamos de costas um ao outro, e de frente para os dois grupos de três zumbis. Busco a primeira flecha e lanço-a no peito do primeiro, que trepida e cai ao chão. Ao pegar a segunda flecha sinto Yu ir na direção do seu grupo de criaturas. Me preocupo, mas preciso confiar nela.

Lanço a segunda flecha em direção ao peito de outro zumbi, mas acabo acertando perto do ombro. Por sorte, ele acaba por cair desacordado.

Ouço atrás de mim o barulho de ossos sendo quebrados. Fico preocupado e olho para trás. Vejo Yu utilizando o crânio de um zumbi para quebrar o crânio do outro. Me tranquilizo um pouco.

Olho à frente novamente e, por fim, busco a terceira flecha e lanço-a na última criatura.

Erro, por alguns centímetros. Minha inexperiência, ironicamente, me pegou na última flecha.

Sem muita escolha, parto na direção da criatura com a intenção de utilizar o arco como uma arma de combate próximo. Ele é feito de uma madeira forte e relativamente pesada, mas não com esse propósito. Porém, tenho experiência o suficiente com lanças e bastões para saber que consigo utilizá-lo dessa forma sem quebrá-lo.

Lembrando dos golpes que utilizava com bastões há alguns anos, acerto um golpe da esquerda para a direita no rosto da criatura para desnorteá-la, e depois aproveito o formato curvado da ponta do arco para enganchar na sua perna e derrubá-lo.

Com a criatura no chão à minha mercê, utilizo a outra ponta do arco para atravessar seu crânio.

Quando pondero em pensar “acabou”, ouço um barulho atrás de mim. Consigo sentir aquele cheiro podre se aproximando rapidamente, com suas unhas à centímetros de mim buscando meu pescoço. Fui pêgo – penso – pelo zumbi no qual acertei uma flecha no ombro, e achei que tinha perecido.

Não há tempo de reagir. Só fecho os olhos.

E ouço o barulho do ar sendo rasgado e um baque logo atrás de mim. A mão do zumbi estava tão próxima que acabou deslizando no meu pescoço e descendo pelas minhas costas.

Me viro e vejo o zumbi sem vida, empalado pela mão de Yu na altura do coração. Olho-a por trás dele e sinto um frio intenso, mas passageiro. Uma sensação ruim.

Yu larga o corpo da criatura no chão.

- Obrigado Yu, você me salvou – Agradeço.
- Não me agradeça, só tome mais cuidado Lou... – Responde, e fica observando sua mão suja por um tempo, com certa confusão.
- Você é muito forte e rápida, parceira. Já lhe disse que deveria usar espadas.

Yu olha para o lado com uma feição de desprezo e raiva. Vai em direção ao seu cajado que havia largado ao chão. Pega-o, e fica por um tempo de costas para mim.

- Eu odeio espadas. Nunca colocarei a mão em uma.

Yu - "Inocência"

domingo, 10 de abril de 2011
Esse conto é uma homenagem do Blog Noogênese e do autor, às crianças da Escola de Realengo, no RJ; Vítimas de um Monstro

In Memoriam

~

Paramos em frente à grande muralha invisível que delimita as fronteiras de Lunna, a grande floresta, território dos Elven.

- É aqui então... – Diz Yu, olhando a fileira de árvores que dá início à floresta densa.
- Ele disse que sim. Só não sei se deveríamos confiar nele – Digo, me referindo ao Sem Nome.
- É o melhor que temos. E algo me diz que ele não mentiu.
- Yu, ele quase nos matou – Digo e olho em sua perna machucada, depois em meu braço enfaixado com um pano vermelho. – Ainda não entendi nem porque ele nos ajudou depois de tudo.
- Não importa. Não agora – Diz minha parceira.

Me dou conta que minha falta de sentimentos mais uma vez me impediu de reparar nos dela e no que significava estarmos ali.

- Certo, vamos – Digo e pego na sua mão. Ela segura forte na minha e sorri gentilmente.

~

Andamos por mais de um dia floresta adentro. Estranhamente, encontramos poucos perigos. No fim, só algumas criaturas com fome.

- Isso está estranho – Diz Yu.
- Sim. Achei que seria mais perigoso. Pelo menos temos mais liberdade para procurá-lo.

Seguimos adiante e paramos. Senti uma presença estranha por perto e fiz um sinal para Yu parar de andar. Nos olhamos e prestamos atenção no silêncio total do ambiente. De repente, pudemos ouvir um extenso assovio que soava e ecoava na floresta como o belo canto de um pássaro.

- Tem um Elven por perto – Digo e Yu balança a cabeça positivamente.

Anos atrás vivemos por um tempo com uma tribo de Elven, em outro lugar. Esse assovio é o sinal que usam para chamar ou procurar uns aos outros à grandes distâncias.

- Vamos procurar ele – Diz Yu e não entendo -. Algo me diz que deveríamos e que ele não está querendo nos fazer mal – Explica antes de eu falar algo.

Confio nos seus instintos e a sigo. À frente ouvimos novamente o assovio, e nos guiamos pela sua direção. Continuamos andando e o assovio soa mais próximo, até que cessa repentinamente ao ouvir o barulho que fizemos pisando nas folhas que cobrem o chão.

- Quem está aí? – Diz uma voz bonita e calma, mesmo ao falar alto, do Elven que esperávamos encontrar.

Prosseguimos com calma para ele não achar que somos uma ameaça e o encontramos. Ele é alto, com pele clara nos tons da floresta e tem cabelos claros e orelhas com as pontas maiores do que a dos homens, como todos da sua raça. Segura um bonito arco e flechas de pontas afiadas como uma lança, feito das árvores de maior qualidade da floresta, que homens sequer podem encostar.

- Olá – Digo com as duas palmas das mãos levantadas. Yu segue do meu lado sem segurar no cabo de sua espada, sinalizando que não quer lutar.

O Elven olha bem para nós dois e guarda o arco em suas costas.

- Quem são vocês? – Diz.
- Estamos procurando um assassino de crianças que se esconde em Lunna – Yu diz, sendo direta como sempre é.

O Elven se surpreende e fica de boca aberta olhando para nós. Em seguida olha para o chão por um tempo.

- Eu também estou – Diz e nos surpreende: – Ele sequestrou a minha filha.
- Como?? – Diz Yu exaltada.
- Ele conseguiu entrar no nosso vilarejo durante a noite e levou a minha filha – Diz e levanta a cabeça, olhando por entre os feixes de luz que rasgam por entre as folhas das árvores.
- E como ele conseguiu fazer isso? – Indago – Vocês conseguem perceber uma ameaça na floresta de longe.
- Não sabemos ainda como.
- E o resto da tribo? – Pergunta Yu.
- Se recusaram a me ajudar – Diz e nos surpreende novamente. – Como ninguém viu, todos a consideram somente desaparecida. Como esse monstro tem causado muitos problemas no seu reino dos homens, o povo da floresta não quer interferir.

Yu se exalta.

- Tolos! Como podem virar as costas à sua raça??

O Elven desvia o olhar.

- Tudo pelo bem do povo da floresta – Digo e o Elven olha para mim e balança a cabeça positivamente.
- O máximo que fizeram por mim foi me deixar ir atrás de minha filha por minha conta – Diz o Elven.

Ficamos por um tempo em silêncio.

- Como é o seu nome? – Pergunto.
- Nahky... – Responde o Elven.
- Eu me chamo Louis e ela é a Yu... Bem, Nahky, o que acha de o procurarmos juntos?

Nahky nos olha e o vejo ponderar suas lições que aprendeu sobre não confiar nos homens.

- Obrigado – Diz, ao se dar conta que lições mais recentes o fizeram ponderar sobre a confiança em sua própria raça.

Seguimos, em busca do monstro.

~

Andamos por mais um dia e meio na imensidão da floresta, quase todo o tempo em completo silêncio. Yu e eu somos acostumados a muitas vezes andar por muito tempo sem dizer nada. O silêncio que criamos muitas vezes é confortante, e não agressivo; O conforto que sentimos na presença um do outro é algo inexplicável.

Nahky é um Elven diferente de outros que já vimos. Em tão pouco tempo nos sentimos seguros na presença dele, tanto que o confiamos a vigília por um tempo na última noite enquanto dormíamos, pois estávamos esgotados do nosso último combate e a sua raça pode ficar dias sem dormir.

- Vocês conhecem alguns segredos da floresta – Diz Nahky, quebrando o silêncio.
- Sim, vivemos por um tempo com uma outra tribo Elven – Respondo.
- Qual tribo?
- Os Lann.

O nosso companheiro Elven fica surpreso.

- Curioso o fato de os terem recebido bem entre eles – Diz o Elven.
- Não foi exatamente assim... – Interrompe Yu.

Nahky se prepara para dizer algo e subitamente pára. Ele sente algo. Eu também sinto. Yu, por sua vez, nos olha com certa confusão. Nahky, rapidamente e sem dizer nada, parte em direção à fonte do pressentimento, e o seguimos confiando nos seus instintos.

Chegamos em uma pequena clareira, um lugar mais aberto e com menos árvores.

À frente vejo uma criança Elven jogada ao chão.

Na sua frente, de costas para nós, uma criatura levantada diante sua vítima à mercê. Se parece com um urso, pelo tamanho e pela pelagem do seu corpo.

Yu, ao ver aquela imagem, fica estática como à muito - muito - tempo eu não via.

Nahky corre e salta com precisão em direção à um galho de uma árvore. Com uma coordenação impressionante, se impulsiona no galho e pega seu arco e uma flecha em suas costas, à tempo exato de encontrar o momento em que seu corpo paira inerte no ar com o ângulo perfeito para poder lançar com precisão uma flecha na criatura.

A criatura percebe o ataque e salta para trás, sem conseguir evitar que a flecha raspasse no seu rosto.

Estranhamos a maneira com que a criatura saltou, se jogando de costas e impulsionando outro salto com seus braços de forma a cair perfeitamente de pé. Sua agilidade certamente não era a de um urso.

Nahky chega ao chão e corre em direção à criança.

- Nadja! – Diz e checa se sua filha ainda vive.
- Nahppa... – Diz a criança fraca e machucada, mas viva.

Finalmente conseguimos ver o que era de fato o monstro.

Era um homem.

Um homem selvagem que vestia a pele de um urso tal como um manto, cobrindo a parte de trás do seu corpo e a parte de cima da cabeça com a pele da cabeça do animal.

- Enfim um Nnah que se importa com o seu próximo – Diz a o homem selvagem, e eu vou em direção à Nahky e sua filha.

O Elven olha com uma raiva não convencional à sua raça e lança outra flecha na criatura. Ela desvia e logo que olha à frente novamente vê o Elven desferindo um golpe utilizando a lâmina afiada do seu arco como uma lança. A criatura recua sem ter se afetado pelo golpe e se afasta evitando os golpes que sequem sem parar em meio à selvageria do Elven. Nahky enfim acerta-o impulsionado um golpe certeiro de baixo pra cima no seu peito, jogando-o para trás tal qual foi quando levou a primeira flecha.

Nahky percebe que a criatura vai cair no chão e salta em sua direção, com a intenção de utilizar a lâmina do seu arco para empalar o monstro mortalmente. A criatura surpreende-nos e consegue pegar impulso e equilíbrio com suas pernas ao chão, e mergulha para cima com um golpe com suas duas garras afiadas no peito do Elven, pêgo desprevenido e lançado bruscamente em direção à uma árvore. Esse ataque é único, pois consigo sentir a energia que ele usou para tal.

Olho para Yu para pedir ajuda e vejo que ela continua estática. Pego Nadja nos braços e vou na direção de Nahky para checar o seu estado. Não estava muito bem, o ferimento que preenche todo o seu peito é feio, mas não mortal.

Deixo os dois no chão e coloco minha garra negra, pronto para enfrentar sozinho o monstro, ainda com meu braço machucado pela luta anterior.

- Lou, espere. – Diz Yu.

Ela saiu do transe e vem na nossa direção.

- Proteja Nahky e Nadja, deixe-me enfrentá-lo – Diz e eu a olho pronto para discutir – Por favor, Lou – Suplica Yu.

Pondero e acabo aceitando a situação, sem muita escolha. Pego Nadja nos meus braços levo-a até uma árvore próxima para encostá-la; e volto e trago Nahky com certa dificuldade pelo meu braço machucado e os reúno, afastados de Yu e o monstro.

Yu olha fixamente para a criatura.

- Por que? Por que as crianças? – Pergunta.

O homem selvagem gargalha.

- Esse mundo é podre mulher Ha-ha-ha... Estou fazendo um favor à elas. Estou preservando sua inocência antes que elas sejam corrompidas pelo mundo.
- Você não tem o direito de fazer isso – Responde.
- E que direito os homens têm de criar sua prole para a guerra? E por vezes, em nome de guerras aos deuses – Diz o monstro, e Yu dessa vez não responde.
- E os Elven, o que eles têm a ver com isso? – Digo, interrompendo-o.
- Os Elven são tão podres quanto os homens. Viram as costas para sua própria raça, por medo de sair da sua floresta feliz e se envolver com os homens e o resto do mundo. Peguei essa criança só para ver o que eles fariam. Não me surpreendi, o resto dos Nnah fizeram nada.
- Chega – Diz Yu.

Ela pega sua espada prateada na sua cintura. Os feixes de luz que transpassam as árvores rebatem nas escrituras gravadas na lâmina.

- A inocência das crianças – Prossegue – São a única chance que temos de salvar nosso mundo. Não importa qual a raça; Ao arrancar a vida de uma criança, você destrói tudo o que ela poderia ser; Um herói ou um vilão; Um homem ou um monstro. Destrói todos os seus sonhos, e tudo que ela poderia fazer pelo mundo.

O homem selvagem vestindo pelo de urso não responde.

- Você vai morrer agora - Yu diz suas últimas palavras ali.

Ela corre segurando com as duas mãos a sua espada; O monstro não recua, e sim vem em sua direção, e salta com suas garras prontas para atacá-la. Yu vira a lâmina em sua direção e usa uma técnica antiga para emitir um brilho intenso para desorientar a criatura, que se perde no seu salto e acaba encontrando um golpe certeiro no seu peito, de baixo para cima, no mesmo lugar onde Nahky havia o atacado. Ela não diz nada, mas eu sei que esse golpe foi por ele.

A criatura cai ao chão e emite um grito alto e doloroso.

Yu olha-o de forma apática, e caminha em sua direção para dar um fim em sua vida. Inesperadamente, a criatura agilmente salta do chão em sua direção, utilizando um golpe com sua garra.

Yu salta para trás, mas não consegue evitar que sua perna já machucada seja atingida. Ela cai ao chão segurando o ferimento aberto em sua perna.

Não grita nem chora. Nunca o fez.

- Yu! – Grito e me preparo para ir ajudá-la.
- Não! – Diz Yu, me olhando com uma expressão de raiva.

Volto o olhar à criatura e a vejo ficar de pé com dificuldades, pois o seu ferimento foi quase mortal.

- Você é forte, mulher. E já que gosta tanto dessas crianças, vai se juntar à elas agora – Diz o monstro.

Ele se agacha, e põe suas duas garras ao chão. Consigo sentir a energia ali, tal qual foi quando atacou Nahky.

Yu se levanta com dificuldades também, pelo ferimento da sua perna. Levanta a sua espada e passa a mão nas escrituras de sua lâmina prateada, sussurrando palavras de uma língua ancestral.

O monstro salta com uma velocidade tão grande que podemos ouvir o som do vento sendo rasgado. Yu segura a espada, e salta também em sua direção impulsionada somente por uma perna.

Sua espada emite um brilho tão intenso que cega à todos nós.

Só ouço Yu gritar.

E o som magistral de um trovão que ecoa em toda a floresta.

~

Demoro algum tempo para recobrar meus sentidos, e minha visão ainda está embaçada. Só ouço o barulho de algo sendo cortado. Me levanto e enquanto minha visão volta ao normal vejo Yu arremessando pedaços do monstro e os decepando com golpes de espada.

Deixo Nahky e Nadja, desacordados, e vou na direção de Yu.

Depois de mais três golpes, ela cessa.

Chego ao seu lado, olho à frente e me deparo com o monstro despedaçado ao redor. Yu se rende à dor na sua perna e desaba ajoelhada ao chão... Me agacho do seu lado para segurá-la e pela primeira vez em todos esses anos, a vejo chorar. Ela se abraça em mim e apóia sua cabeça em meu ombro, soluçando em meio às lágrimas.

Olho à frente novamente os pedaços do monstro.

Nem preciso contá-los.

Sei que são trinta.