Louis - "Preto e Branco"

domingo, 8 de agosto de 2010
Me traz lembranças nostálgicas ver todos eles juntos assim. Todos esses olhares fixos e concentrados, em um só ponto. Um pensamento coletivo e poderoso.

A união de fato traz a força.

Mas e força de vontade solitária da vingança?

Eu já estive do lado oposto dessa linha imaginária que separa o preto do branco. Na realidade, eu não considero esses lados tão opostos assim. Somos iguais que pensam diferente no final das contas.

Olhando pelo meu lado é uma batalha desleal. Sim, eu sou um monstro capaz de destruir todos eles. Por acaso, esse é o motivo de todos estarem aqui. Mas estou sozinho. O fato é: Não é o bem que sempre vence o mal, mas sim que os maus naturalmente são solitários e acabam derrotados pela força coletiva do bem. Um salve às histórias infantis para dormir.

Dois deles correram em direções opostas tentando me confundir. Ver essa sincronia dos movimentos deles faz meu coração bater mais rápido, e não é de medo. É de emoção. Emoção de ver um monstro na minha frente de igual poder ao monstro que vejo no espelho ou no reflexo de um lago.

Mas eu não sou tão simples assim.

Levantei meus braços e surgiram do chão chamas como se fossem tentáculos de um monstro dos mares, o pesadelo de qualquer marinheiro. Um dos guerreiros apressados sucumbiu à um golpe de fogo violento, e o outro venceu pela agilidade. Mas ficou congelado olhando para mim como se eu fosse o próprio Diabo evocando as chamas do inferno e os atacando com o meu tridente.

Será que ele estava tão errado assim? Não o culpo, pois essa imagem resolveu viver na minha mente à muito tempo.

- Você vai morrer, seu desgraçado! – Disse o guerreiro de capa cinza. Admito que isso me afeta e dói mais do que quaisquer golpes de espadas, lanças, machados ou rajadas de flechas. Estou conformado com o caminho que decidi seguir, mas será o bastante? Um motivo e uma razão são coisas distintas.

O fato é que até agora eu estou somente me defendendo, repelindo todos eles. Admito que não queria ter matado o primeiro guerreiro apressado, mas a força mística que eu evoco em batalha não é controlável tanto quanto eu gostaria.

Então o tempo resolveu parar.

Existia um guerreiro entre eles que era diferente do resto. Quando todos estavam abalados e com olhares cheios de sentimentos diferentes, ele continuava apático. Enxerguei nele algo familiar. Via à mim lá na frente, vestindo uma armadura brilhante e com um lenço vermelho amarrado ao braço direito.

Então eu parei. Sim, eu parei. Quando eu abaixei meus braços, as criaturas feitas de sombra que estavam distraindo os guerreiros sumiram. A barreira de gelo que ergui pra me proteger começou a rachar.

Tudo isso porque eu custei a lembrar o porquê estou aqui. Custei a lembrar dos motivos pelos quais eu resolvi acabar com tudo. Quando olhei pra ele, me perguntei porque mesmo alguém como eu podia estar lá do outro lado sem ter sucumbido. Ele não estava lutando pela coletividade e pelos gritos de guerra de um time. Ele estava lá por si mesmo e suas decisões.

Ah sim, todos resolveram aproveitar a oportunidade pra me matar, pois quando disse que o tempo parou não foi literalmente. Mas não sou suicida à esse ponto – nem tão simples assim, repito - pois sabia que todos usavam armaduras metálicas e uma força magnética podia segurá-los por um tempo. Eles não eram importantes agora. Ele era. E continuava lá, parado olhando com seu olhar neutro.

Um milésimo de segundo antes de eu começar a andar em sua direção ele começou a andar na minha, e isso fez meu coração parar por alguns segundos. A força de vontade dele era maior que a força de qualquer campo magnético que eu pudesse usar.

A sincronia de nossas almas era maior que a de todo aquele time que não conseguia se mover no momento.

Parou à alguns metros de mim.

- Você é o líder, certo? – Perguntei.
- É assim que eles me chamam – Respondeu, ainda apático.
- Eu sinto algo dentro de você... O que é isso?
- Eu não mereço ser o líder deles – Disse e olhou para trás, e pude ver o olhar de surpreso de todos eles quando ouviram isso de seu líder – Não os conheço à muito tempo, e todos sabem que eu somente faço as coisas por mim mesmo. Eu não sinto nada mais. Não tenho sentimentos, e sou incapaz de sentir intensamente alegria ou dor. Amor ou ódio.
- Então o que faz aqui?
- O mesmo que você. Estou em busca de algo... E quero provar algo para mim mesmo – Disse e olhou para o seu lenço vermelho amarrado ao seu braço.

E o tempo parou denovo. E eu, congelei junto dessa vez.

Quando ele olhou para aquele lenço algo transbordou de dentro de seu corpo. Não era um sentimento compreensível ou classificável. Era algo sem nome que fazia tudo ao seu redor tremer. Era uma força sem leis, sem lado, sem rédeas. Algo puro e selvagem ao mesmo tempo e com mesma proporção.

- Eu – Disse em voz baixa e depois levantou os olhos, pela primeira vez com uma expressão séria – Vou defendê-los até o fim. Mesmo sabendo de tudo que fui e que sou, me tornaram seu líder e estão do meu lado nessa luta. Eles acreditam em mim, mesmo que eu não.

Essas palavras fizeram todo o medo dos guerreiros dissipar e os deu forças para vencer o campo magnético que estava os prendendo. Seu líder convenceu à todos – inclusive à mim e à si mesmo – que agora sabia porque estava ali.

- Lou! – Disseram todos, um à um, para o guerreiro do lenço vermelho, armadura brilhante e longos cabelos pretos, transbortando como uma cachoeira de seu helmo.

Lou. Deveria ser seu nome.

Todos estavam prontos para lutar, graças ao seu líder. E eu também, pois sabia qual era o motivo de minha existência ali. A minha força nunca fez sentido sozinha, por isso eu estava perdido e certamente seria derrotado com o tempo. Agora, ao menos certamente a minha força dá sentido à força irmã ali do outro lado do campo.

A batalha deixou de ter o contexto de antes. Não é simplesmente uma luta do bem contra o mal. Do dia contra a noite. Da Lua contra o Sol. É uma luta entre forças que se completam mas que no fim são iguais.

Se alguém perguntasse à cada um de nós agora, em ambos os lados, se estávamos prontos para morrer lutando e sem arrependimentos, a resposta seria a mesma.

- Sim.

A diferença é que todos nós sabíamos agora o porquê.

Que a batalha continue. Uma luta leal, justa e definitiva.

E dessa vez, até o fim.