O Sem Nome - "Quem sou eu?"

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

­­Já perdi a noção de quanto tempo eu estou andando, mas minhas pernas aparentemente têm certeza absoluta. Certamente já faz algum tempo desde que comecei a perambular, e sinceramente os motivos que deram início à isso hoje não fazem mais sentido. Eu não sou mais aquela pessoa.

Então, a pergunta é: “Quem sou eu?”.

Ninguém.

Esse é o segredo da minha sobrevivência, seja lá quais julgamentos isso me traz. Eu não tenho um nome. Constrastando isso, eu mudo a minha aparência ao avesso quando tenho vontade. Não diria que sou um camaleão que se camufla pra sobreviver. Considero a mim mesmo um erro que teve sua hora para ser corrigido, mas que esse tempo de ser eliminado já passou. Aqueles que gostam de blasfêmia me consideram um agente do caos ou um mercenário sujo – sendo que considero o último um ultraje, pois trabalho pra ninguém.

Caos. Essa é uma palavra confortável de se ouvir, embora algo dentro de mim não deixe que isso se contextualize por completo, pois traz a sensação de fazer parte de algo, mesmo que o próprio Caos. Eu não tenho regras, posso ser qualquer pessoa, desde que a situação me demonstre curiosidade, interesse ou uma agitação interna.

Não ando buscando um sentido. Não há sentido; portanto não há busca. Talvez eu só goste de andar e queira deixar cicatrizes pelo caminho

~

- O que é isso? – Penso comigo mesmo.

Estou sentado em uma pedra à alguns metros da estrada, na frente de uma fogueira recém acesa, contemplando o silêncio. Silêncio esse que foi quebrado por uma agitação que fez meu coração ficar inerte e me deixou com os pés formigando por alguns segundos.

- O que é isso? – Penso novamente. Nunca senti algo parecido em toda a minha vida.

Algo grande está vindo. Consigo sentir uma única força, que tem algo certamente bizarro em si. É como se tivesse duas faces, que conseguem coexistir em harmonia no mesmo lugar. Isso certamente é bizarro. Não estou entendendo coisa alguma. Consigo sentir, ler e interpretar essas forças poderosas e invisíveis que existem no mundo, mas isso que sinto agora é novo e único. Preciso ver com meus próprios olhos.

Levanto, pego as minhas coisas, coloco as duas baínhas das espadas nas costas e começo a andar na direção da força, curioso com o que deve ser. Já vi essas forças se manifestarem em criaturas poderosas ou elementos da natureza. E às vezes pessoas, embora seja mais raro e sempre algo instável.

Paro de andar. A força me sentiu. Por experiência sei que não adianta tentar ficar oculto, somente posso esperar. Uma vez que essas forças me sentem é praticamente impossível perder o rastro. Bom, eu não tenho interesse em fugir mesmo, só perco o fator surpresa.

Ouço barulhos pela grama alta atrás de um pequeno morro. Então a presença some e eu fico preocupado.

- Quem é você? – Diz uma voz feminina e forte atrás de mim.

Olho pra trás e perco o ar. E pela primeira vez desde que eu comecei a andar, fiquei assustado e surpreso com o que vi. Uma mulher e um homem, que conseguiram me enganar à pouco.

A mulher é uma ruiva, com pele clara como a neve e olhos acinzentados, sérios e profundos. Veste uma armadura escura mas forte e tem uma bonita espada prateada na cintura.

O homem tem pele clara – mas não tanto quanto a ruiva -, cabelos longos e negros e olhos verdes, determinados mas longínquos. Veste uma armadura leve e azulada, tem uma arma estranha nas costas e está colocando uma garra escura na mão esquerda.

Porém, o que me assustou não foram os dois. E sim a coisa bizarra que flutuava acima deles. É algo que se assemelharia com um anjo, mas com uma asa branca e angelical e a outra negra e demoníaca. Tem longos cabelos castanhos claros meio laranjados, olhos foscos e um corpo cheio de cicatrizes. Não tem boca ou orelhas. Certamente não se parece nem um pouco com os anjos das histórias para crianças.

O que esses três – ou talvez seja melhor esses dois – fazem aqui? São experientes, pelo jeito que me sentiram e me surpreenderam pelas costas. Sinto uma afinidade muito grande entre eles. Talvez um casal. Ou irmãos.

Algo estranho é que agem como se não soubessem da presença do “anjo” ali. Será que não sabem? Bom, no fim isso não faz diferença, já que essas forças vivem em um plano diferente do nosso – só sua energia transpassa para esse mundo. O que esse anjo faz com eles? Eu nunca havia visto com tamanha clareza de detalhes uma força dessas no nosso mundo. Ele deve ser realmente fenomenal para conseguir transpassar para cá com tanta intensidade – ou talvez o seu mundo seja tamanho entediante.

Os dois parceiros olham um para o outro por alguns segundos, depois olham para mim novamente.

- Eu perguntei quem é você – Repetiu a ruiva.
- Deixe esse homem estranho, Yu. Temos mais o que fazer do que perder tempo aqui – Diz o homem.
- Não. Ei, o que você sabe sobre a floresta de Lunna e as mortes de crianças?

Ótimo.

- Sei o suficiente – Respondo.
- Então diga – Reiterou a mulher, Yu.
- Não.

A mulher segura com força o cabo da espada, e me preparo para um ataque, e então larga depois que o homem segurou no seu braço. Os dois se olharam por um tempo novamente.

- Vamos, Lou. Ele não sabe nada.

A mulher se virou a começou a andar, e o homem fica um tempo me olhando, até que se vira para ir atrás dela.

Corro e salto na frente deles.

- Não, vocês não vão.

Os dois se surpreendem. Yu pega a sua espada prateada e Lou prepara sua garra e segura a arma estranha com a mão direita nas costas. O anjo estica as suas duas asas distintas e segura nos ombros dos dois por alguns segundos. Posso ver a energia pura fluindo e coexistindo.

Eles são únicos e eu preciso testá-los.

Pego as duas espadas curvadas nas costas e vou na direção dos dois – ou três.