Sophia - "Realidade"

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011
A Universidade de Santa Martha é um local bonito e bem arborizado, uma ótima paisagem agora nesse tempo frio de inverno. Passamos por grandes passarelas bem projetadas e na beira de um bonito e extenso lago, com patos e cisnes passeando e mostrando sua indiferença ao frio maldoso que fazia.

Sophia sorria e seus olhos brilhavam vendo aquilo tudo. Tentava chegar perto dos cisnes que estavam na beira do lago para tocá-los mas ficava no empasse entre a curiosidade e o medo de ser bicada. Quando finalmente parecia ter estabelecido uma confiança entre ela e o animal e estava quase o tocando eu gritei “Boo!” e ela deu um salto e um grito que fez eco no lugar, e o cisne assustou-se e bateu suas asas na água ao se afastar, jogando água em nós.

- Dan! Isso não se faz!! – Disse e estabeleceu uma cara de emburrada.
- Ah... não aguentei, desculpa! – Respondi rindo.
- Puxa... estava quase o tocando. Bom, vai que ele ia me bicar mesmo. – Disse, conformada – Ei, vamos lá na secretaria, senão não vai dar tempo. – Disse e pegou pela minha mão, com a intenção de me guiar até o lugar, o que é bom já que eu jamais tinha vindo aqui.
- Conhece bem o lugar aqui? – Falei enquanto pegamos a passarela que ia até a construção que deveria ser a secretaria.
- Sim... eu sempre adorei vir aqui. A lanchonete que eu trabalhava fica à alguns quarteirões daqui, e quase todo dia quando saía de lá eu vinha aqui dar uma volta pra me sentir bem.
- O lugar é muito bonito, eu adorei... É uma universidade boa?
- Aham. É um sonho meu estudar aqui. Quando vinha aqui caminhar ficava vendo os estudantes andando apressados de um lado para o outro e me via ali com eles. – Disse sorrindo.
- Tomara que seja um sonho realizado agora! – Falei tentando a animar.
- Sim! Tomara mesmo! – Respondeu Sophia, sorrindo e apertando a minha mão de entusiasmo.

Entramos no lugar e eu não me surpreendi. Muitos alunos que deixaram para o último dia para fazer suas matrículas. Gente falando alto e ao mesmo tempo.

- Será que saímos daqui até o semestre acabar? – Falei.
- Relaxa Dan, deixa comigo. – Disse e me puxou pela mão para irmos na direção dos guichês. Ela olhava de atendente por atendente como se procurasse alguém, até que avistou alguém que parecia conhecer e ficou acenando até chamar a sua atenção. A atendente ficou surpresa, e depois fez um sinal para aguardarmos. Sophia sorriu e fez sinal de positivo com o dedo.
- Presumo que você conhece ela... Espertinha. – Falei
- Aham! Conheci a Maria um dia enquanto perambulava no campus. Depois disso nos víamos sempre, antes dela ir pra casa depois do expediente. Adoro ela, é uma boa amiga. Mas desde que saí da lanchonete e me mudei eu não vim mais aqui e não falei mais com ela. Estava torcendo pra ela estar trabalhando aqui ainda.

Maria logo dispensou o estudante que estava atendendo e nos chamou. Enquanto nos aproximávamos do guichê, reparei de relance em alguns estudantes com senhas na mão nos desejando infartos ou tumores malignos. Mas como a maioria deve ser filhinhos de papai que não sabem o que querem da vida eu nem me importei muito.

- Oi, linda! À quanto tempo! – Disse Maria que quase saltou por cima do balcão pra abraçar Sophia e dar um beijo no rosto.
- Desculpa por sumir e não ter avisado, Maria... – Disse Sophia com uma cara de culpada.
- Tudo bem, linda... sei que deve ter um bom motivo. E esse rapaz, garota?
- Ah sim, esqueci de apresentar, desculpa. Esse é o Dan, meu... amigo. Dan, essa é a Maria! – Disse meio sem jeito enquanto eu cumprimentava a mulher loira de uns 30 e muitos anos.
- Prazer, Maria... Sophia me falou de você.. – Disse, pois estava sem jeito e precisava jogar a bola pra alguém.
- E ela nunca me falou de você, rapaz! – Disse com um sorriso maldoso.
- É que eu conheço o Dan faz... pouco tempo. – Disse Sophia, envergonhada.

Claro. Mesmo para uma amiga que a conhece, seria estranho se dissesse que me conheceu no dia anterior sem parecer vulgar. Talvez não ajudasse se ela dissesse que foi num programa.

- Entendo... Bom, ele é bonito! Se veio aqui buscar minha aprovação tem minha benção, garota! – Disse e Sophia ficou da cor do suéter vermelho que usava.
- Maria!! Vamos mudar de assunto... Não vim aqui hoje só pra matar a saudade do seu senso de humor. – Disse tentando recuperar sua cor clara.
- Oh, o que mais então?
- Vim fazer minha matrícula! – Disse Sophia com um sorriso de satisfeita.
- Maravilha! Que ótimo, garota! – Disse Maria realmente feliz com a notícia. – Bom, vai passando a papelada então!

Enquanto elas estavam noutro mundo trocando papéis e documentos, perguntei onde podia pegar um copo de água. Apesar do frio, o lugar ali estava quente de tanta agitação das pessoas e do ar condicionado mal regulado.

- Naquele corredor ali à esquerda. – Disse e apontou Sophia. – Traz um pra mim também, Danzinho? – Disse com um sorriso grande para o qual é impossível negar qualquer coisa.
- Tá, mas só se você prometer não me chamar de Danzinho denovo. – Falei, sinceramente.
- Ops... Ok. Prometo, Danzão! – Disse e riu sadicamente.

Desisti de argumentar e fui buscar a água. Na volta, vi que as duas estavam conversando seriamente. Não quis atrapalhar e fiquei de longe observando. Sophia olhava para baixo e Maria falava seriamente olhando pra ela. Imaginei que Sophia estava falando sobre sua mais recente empreitada profissional. Quando vi que ela estava quase chorando me aproximei.

- Tudo certo aí, minha cara universitária? – Falei tentando parecer alheio à situação.
- Ah, sim.. Tudo! – Disse ao esfregar os olhos no suéter rapidamente e estender a mão para pegar a água. Seus olhos estavam vermelhos mas logo se recuperou.
- Bom, tudo certo, linda. Só falta a propina agora. – Disse Maria se referindo ao preço da matrícula.
- Ah sim. Deixa eu ver. – Disse Sophia pegando sua carteira na bolsa e a abrindo. – Cem, Cento e cinquenta, Duzentos...

De repente se deu conta de algo e ficou imóvel olhando sua carteira. Cheguei a me assustar e demorei um pouco pra assimilar o que estava acontecendo. A verdade é que ela contava com o dinheiro do programa para pagar a matrícula. Eu tinha que fazer algo.

- Ah, Sophia! – Disse a chamando a atenção pra mim – Eu estou te devendo, lembra? – Falei e ela assimilou sem nenhuma expressão no rosto. – Tome – Disse e estendi a mão com “aquele” dinheiro que ainda estava na minha carteira.
- Oh. – Disse Sophia que ficou olhando um tempo para aquelas notas. Muito deve ter se passado na cabeça dela ali. – Obrigada, Dan. – Disse e entregou o dinheiro para Maria.
- Tudo certo então! – Disse Maria ao ir guardando o dinheiro no caixa e organizando a papelada dentro da pasta. - Você começa dia 14.
- Obrigada!! – Disse Sophia para a mulher, ao quase saltar novamente para abraçá-la por cima do balcão.
- Boa sorte, garota... Vai dar tudo certo, viu? – Disse à Sophia e depois se virou e estendeu a mão à mim. – Foi um prazer conhecer você Dan. Cuida bem dessa menina viu? Senão arranco seus ovos fora. – Disse e eu acreditei na ameaça, visto o seu olhar de sociopata ao dizê-la.
- Ok... – Foi tudo o que consegui dizer ali.

Nos despedimos e saímos do prédio. Sophia pulava de felicidade como uma criança que acabou de saber que vai viajar para a Disneylândia. Eu estava feliz também, pois sabia o que aquilo significava pra ela.

Resolvemos dar uma última volta no lago antes de ir embora.

- Me diga, que curso você se matriculou? – Perguntei, ao me dar conta que realmente não sabia.
- Verdade, eu não te falei! Me matriculei em Psicologia. – Disse com um sorriso de satisfação.
- Nossa, que legal! Sempre gostei de Psicologia também...
- É... eu adoro entrar dentro da cabeça das pessoas para tentar entendê-las. Tomara que o curso seja o que eu espero.

Algo começou a vibrar na sua bolsa. Pegou o celular e ficou olhando no visor um tempo. Pude sentir sensação que ela sentiu de “voltar à realidade” ali.

- Alô? Oi Susan... É, foi mal, aconteceu umas coisas. Tá. Tá, eu ouvi, caramba! – Se exaltou e olhou pra mim, como se suplicasse para que eu pegasse pela sua mão e pulássemos no lago gelado. – Não, eu não quero mais isso, Susan. – Disse e eu pude ouvir a mulher se exaltar ao telefone. – Olha, depois conversamos, ok? Tchau.

Desligou o celular e ficou olhando para o lago por um tempo. Respeitei seu silêncio.

- Era a Susan. – Disse sem tirar os olhos do lago.
- Susan? – Indaguei, pois não lembrava desse nome.
- Ah sim. A “Cherry”. Moro com ela... Você sabe. – Disse se referindo à tudo.
- Sim, entendo... - Falei sem ter certeza do que falar. - Quer voltar pra casa?
- Sinceramente, queria nunca mais ter que voltar pra lá. – Disse e tirou os olhos do lago, e depois colocou as mãos no rosto e suspirou.

Não soube o que dizer ali. Não havia palavras que podiam vencer a força dura da realidade.

Tudo que me restava fazer era tentar mudar a realidade.

- Sophia...
- Oi. – Disse ao esfregar os olhos e olhar pra mim.
- Por que você não vem morar comigo. Sabe, até se estabilizar denovo?

Sophia ficou congelada olhando pra mim.

- Dan... Eu... – Disse quase entrando em um colapso.

Me aproximei dela e a abraçei.

- Vai dar tudo certo, viu? Eu prometo.

Sophia chorou, pela última vez. Com a cabeça encostada no meu peito, agarrava com as unhas nas minha camisa e chorava com toda a intensidade que era possível, querendo esvaziar tudo de ruim que havia dentro dela por todo aquele tempo.

Percebemos ali que, juntos, podemos transformar a realidade.