Sophia - "Esperança"

segunda-feira, 19 de abril de 2010
Ouvia bem ao fundo os sons dos passos vindos de longe, ao que pareciam ser sapatos temendo seu próprio som. Era algo que desafinava a melodia que eu sentira, pacificamente e longe dali...

- Droga! - Disse uma voz ao som de um tropeço dos sapatos que antes faziam um toc-toc ritmado, quebrando de vez meu encanto. Dei um salto do sofá devido ao susto e tentei recobrar a consciência. Meu apartamento começou a tomar forma, e na minha esquerda, à dois metros da porta, vi um borrão ficar cada vez mais visível. Comecei a juntar os fatos enquanto acordava e cheguei à conclusão que o borrão era o responsável pelo toc-toc anterior e o xingamento, bem como o que me fez saltar do sofá como um gato assustado quase grudando no teto. E o borrão finalmente tomou sua forma real.

Era Sophia.

Concluí que ela planejava ir embora antes que eu acordasse, evitando ter que se deparar comigo no dia seguinte ao que havia acontecido.

- Eu... eu... eu já estou indo embora, desculpa - Disse a garota pálida e quase chorando.
- Bom dia, Sophia - Respondi, tentando não alimentar a sua culpa. - Por favor, tome café da manhã comigo. Depois você pode ir embora se quiser.

Sophia não falou nada e começou a tremer inteira, o que não era totalmente psicológico, pois ela não tinha casaco e o clima literalmente esfriou na noite passada e prosseguia assim agora pela manhã. Levantei e me aproximei dela, que não conseguia falar nada.

- Por favor - Disse e sorri, e extendi minha mão para ela. A expressão no seu rosto rosto mudou, como se parasse de olhar para mim com medo. Ela olhou para minha mão, depois para mim e depois para minha mão novamente, e lentamente extendeu sua mão até a minha. Senti o calor da sua pequena mão segurando na minha, com cada vez mais confiança e menos receio.
- Tá... - Foi tudo o que disse, mas valeu como algumas dezenas de palavras para ela.
- Deixe-me pegar um casaco pra você, está frio - Disse e sorri para ela, que acenou que sim com a cabeça e sorriu confirmando minha afirmação.

Fui até meu quarto e me lembrei de algo que evitava lembrar recentemente. Minha ex-namorada, que morou comigo por alguns meses, deixou algumas coisas suas aqui e nunca mais veio buscar, quando resolveu ir embora sem muitas explicações. Abri o guarda-roupas e encontrei um casaco de lã, um pouco maior que o tamanho de Sophia. Peguei-o e voltei até a sala.

Ao chegar lá me assustei, pois não encontrava Sophia, e logo cheguei à conclusão de que ela poderia ter ido embora. Senti certa decepção, olhando para o casaco vermelho na minha mão, mas ao me virar para voltar ao quarto vi a garota na janela no canto da sala, quase escondida. Olhava longe, como se olha quando está sentado sozinho na beira da praia apreciando as ondas do mar.

- Você me assustou, pensei que tinha ido embora - Disse, me aproximando dela. - Pegue esse casaco.
- Desculpe... é que a vista é bonita nesse lado da cidade - Disse enquando vestia o casaco aberto. - Obrigada... estava mesmo com frio - Admitiu, num sorriso avermelhado de vergonha.
- Denada... Venha comigo - Disse e fomos até a cozinha.

Sophia se sentou à mesa e eu fui procurando café para alimentar a cafeteira. Procurei no balcão geléia e torradas e coloquei-as sobre a mesa. Ficou um silêncio estranho no ar, como se ambos estivessem com medo de conversar sobre o que aconteceu. Então, resolvi encarar o problema de frente.

- Posso lhe perguntar uma coisa? - Falei.
- Hm... sim, pode - Respondeu a garota com medo do que seguiria.
- Sophia é seu nome mesmo?
- Sim, é... - Disse e ficou em silêncio por alguns instantes. - Quando estava vindo para cá, pensei em uma dúzia de nomes para dizer... Mas não consegui dizer nenhum deles quando você perguntou meu nome.
- Por que?
- É... porque não adiantaria eu fingir ser outra pessoa. Era eu vindo aqui, e não era certo comigo mesma fingir que não - Disse Sophia, que mordeu os lábios e olhou para baixo, e senti que seus olhos estavam se enchendo de lágrimas denovo.
- Calma... é que eu acho seu nome lindo, e estava pensando se era real - Disse e me aproximei dela, e encostei minha mão no seu rosto, que se levantou e olhou pra mim. - e eu quero conhecer agora quem você é de verdade.

Sophia não disse nada, mas sorriu gentilmente pra mim. Reparei em como eu ficava fascinado pelo seu sorriso, e não entendia como essa linda garota teve que chegar até onde chegou.

- Pode perguntar... eu estou bem - Disse Sophia, me surpreendendo.
- Eu... gostaria de saber a sua história... Mas está tudo bem se você não quiser falar sobre isso - Disse e levei a cafeteira até à mesa, enchendo então as duas xícaras e me sentando junto à ela.
- Está tudo bem... Bem... minha mãe morreu quando eu tinha sete anos, e então fui obrigada a morar com meu pai. Ele... - Disse e então parou, como se juntasse forças para combater alguma coisa enquanto adoçava seu café. - ele começou a beber depois que ela morreu, e batia em mim às vezes. Quando eu tinha dezesseis anos, ele tentou abusar de mim, e eu resolvi que era hora de sair daquela casa.
- Eu... sinto muito - Falei, surpreso com o que ela contara.
- Aí fui morar com uma prima e consegui um emprego em uma lanchonete. Estava tudo certo até meus dezoito anos. Foi quando ela se mudou para a casa de um cara e eu fiquei sozinha. Não conseguia nem pagar o aluguel.
- E como... - Disse sem pensar e me arrependi.
- Como eu virei uma garota de programa? - Disse Sophia com um ar exaltado.
- Me desculpe... me desculpe mesmo, não é da minha conta.

Senti um frio, dessa vez psicológio, em nossa volta. Sophia ficou quieta, enquanto olhava para o lado e tomava o café quente. Pensei que havíamos voltado à estaca zero na conversa.

- Você está sendo legal comigo e eu estou sendo áspera. Me desculpe - Disse e olhou para mim. Então, como se tivesse lembrado de algo, procurou seu celular. - Droga, estou atrasada...
- Atrasada? - Perguntei.
- Sim... eu tinha que ir nessa manhã me matricular...
- Onde?
- Em uma faculdade... é o último dia. Mas deixa pra lá, não vai dar tempo, é do outro lado da cidade.

Eu senti nela um ar de tristeza e decepção. Aquilo era muito importante para ela.

- Vamos, eu te levo lá - Disse e me levantei, estendendo a minha mão novamente até ela.

Sophia olhou para mim como se não acreditasse no que disse. Senti como se ela tivesse alcançado suas esperanças novamente. A senti feliz.

- Obrigada...

Ela pegou na minha mão e se levantou. Me virei para procurar minhas chaves e soltei sua mão. Dois ou três passos seguintes, me surpreendi de uma forma incrível. Ela pegou na minha mão novamente e prosseguiu segurando-a, sem dizer nada. Foi natural, algo vindo dentro de si que move o corpo.

E assim fomos, de mãos unidas, até o meu carro.

Em direção às esperanças de Sophia.